As crenças faziam o casamento de Tristana um caos.

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14 - As crenças faziam o casamento de Tristana um caos.

As crenças faziam o casamento de Tristana um caos.

Tristana era o tipo de mulher que, pode-se dizer, invejada por muitas. Nasceu em uma boa família, em que foi muito bem cuidada, e teve recursos investidos em sua segurança e educação.

Quando jovem, não era o tipo de criança problemática. Frequentava a escola sem birra, tinha amiguinhas, boa rotina de estudo e um convívio leve em casa. Para não dizer que tudo era um mar de rosas, apesar de ter bom convívio com os pais, que estão casados até hoje, eles brigavam demais.

Haviam muitos ruídos entre o pai e a mãe. A mãe era uma pessoa brava, e o pai, acabava a tratando mal em alguns aspectos. Não respeitava os valores da mãe, possivelmente pela criação com raízes de um machismo familiar. Esse desrespeito ficou mais nítido quando foi descoberta uma traição por parte do pai. Era um homem de negócios, viajava muito, e em algum desses períodos se permitiu envolver com outra mulher. Evento que até hoje gera muitas crises na família.

Tristana sempre percebeu que os pais tentavam brindá-la dessas brigas. Claro que, por terem morado na mesma casa por muitos anos, ela via os conflitos, mas sempre que tentava perguntar ou ajudar de alguma forma, os pais diziam que ela não precisava se preocupar com isso, que apenas gostariam que ela ficasse bem.

O tempo passou e logo Tristana se viu uma mulher formada. Fez a faculdade em outra cidade, pois era a melhor opção naquilo que buscava. Cursou odontologia, sonho que foi construído e alimentado desde quando era mais jovem.

Começou a trabalhar em pequenas clínicas populares e continuou seus estudos. Logo estava com a própria clínica e um nome com já algum reconhecimento em sua cidade. Todos adoram sua capacitação técnica e o cuidado especial, humanizado para com sua equipe e pacientes. O sucesso profissional e financeiro fluía levemente, como tinha que ser.

Nesse processo de mudança encontrou Carlos. Um homem bonito, também dentista. Um pouco mais velho, muito culto. Viveu e trabalhou alguns anos na França e na Alemanha. Gostava de ir aos Estados Unidos para negócios e lazer. Uma alma solta. Espírito aventureiro, com boa autoestima no que se dizia sua percepção própria em todos os contextos.

Tristana já estava trabalhando, independente, e entendeu que era o momento ideal para se envolver. Aqui, estava com 26 anos. E assim foi.

Tudo fluiu muito rápido. Namoraram durante 11 meses e logo ele a pediu em casamento, onde efetivaram o noivado. Carlos também foi criado em uma boa família. A família de ambos estava ciente da relação, e felizes, apoiando, pois entendiam que um fazia bem ao outro e visualizavam neles suas próprias crenças. Tanto os pais de Tristana como os de Carlos eram católicos, com um único casamento, filhos e não pensavam em hipótese alguma num processo de separação, independente do problemas que passassem por, tudo poderia ser resolvido.

Enquanto noivos, Tristana e Carlos concordaram em construir uma casa que fosse ideal para a nova vida. Tudo, como sempre, fluido. Acharam uma boa empresa que se responsabilizou pelo processo. Descreveram o que desejavam e poucos meses depois lá estava, anova residência para constituir uma família.

Se mudaram de imediato e tudo continuava bem. Falavam abertamente sobre a necessidade de ter filhos e ambos concordavam, mas Tristana tinha um receio. Percebia que Carlos a tratava com desvalor em alguns momentos. Por exemplo: quando ela falava da profissão, das realizações e dos ganhos, ele não a levava tão a sério e colocava o próprio posicionamento profissional e ganhos financeiros acima do dela. Como se o que ele fizesse fosse mais significativo e o dela fosse algum tipo de brincadeira ou passatempo. Muito estranho, pois ambos eram extremamente qualificados, ganhavam muito bem e trabalhavam na mesma área.

Essa postura também ficava nítida em casa, com os afazeres domésticos. Carlos não era o tipo de cara que não fazia nada, mas sempre que ajudava em algo fazia com má vontade. Em alguns momentos, até descrevia que não achava certo ele como homem ter que ficar limpando a casa, que era uma tarefa mais direcionada para a mulher, mesmo que ele ajudasse. Por mais que pagassem uma secretária do lar, como toda casa, algo sempre é preciso ser feito. A casa exige manutenção diária e dificilmente uma família consegue delegar 100% todos os dias desses afazeres, principalmente por conta dos imprevistos. 

Eram situações corriqueiras como essas que faziam Tristana ficar com um pé atrás sobre encarar a maternidade.

Mais um tempo se passou e logo chegou a data do casamento. Tristana já estava com 29 anos. Momento de alegria e inesquecível para ambos. Conseguiram juntar as famílias e os principais amigos. Comemoração com tudo do bom e do melhor em todos os aspectos. Só teve um ponto que incomodou bastante Tristana durante os eventos que envolveram seu casamento. Não por mal, mas os seus pais e os pais de Carlos, tocavam toda hora no assunto do filho.

“Agora que já estão casados e têm casa está na hora de ter filhos!”

“Você tem certeza que não está grávida?!”

“E os meus netinhos? Estou louca para ser vovó!”

Aquele bombardeio clássico das crenças dos pais sobre os filhos.

Falas como essas acompanharam todo o processo de casamento. Geravam incômodo, não porque Tristana não quisesse ser mãe, pelo contrário. foi programada para isso. Seguindo o que foi modelado pelos pais, suas crenças a direcionavam para esse momento.

Foram para a lua de mel e Tristana reconsiderou. Parou de tomar os anticoncepcionais e se permitiu tentar engravidar. Como Carlos já havia deixado claro que queria ter filhos, não precisava se preocupar com o consentimento dele.

Tiveram 10 dias de curtição viajando pela Europa. Carlos havia preparado um roteiro com todos os lugares que ela tinha comentado que gostaria de conhecer ao decorrer da relação. Obviamente, um clima desses deixou eles muito à vontade onde tiveram relações todos os dias e, aí estava, Tristana engravidou.

Descobriu dois meses depois, quando voltara ao Brasil, sentindo os primeiros sintomas comuns da gestação. Foi ao ginecologista e confirmou a descoberta. Nesse dia, Carlos a estava acompanhando, então ambos puderam vivenciar a alegria da novidade juntos, ouvindo as primeiras batidinhas do coração do pequeno ser que estava em desenvolvimento.

A gestação passou muito rápido. Felizmente, Tristana não teve nenhum tipo de complicação durante os nove meses. Agendou a cirurgia cesariana e realizou o parto sem problemas.

Nascia Akali, uma menina linda que despertou o brilho nos olhos dos pais. Tristana não conseguia se conter de alegria, porém algo estranho acontecia. Os dias foram passando, ela cuidando da filha, e começando a sentir um vazio, algo além da tristeza, inexplicável, pois tudo que estava acontecendo era o que ela queria. Tristana procurou um psiquiatra que a diagnosticou com depressão pós-parto. Ela começou o tratamento e também a psicoterapia. Foi um processo muito difícil, pois o esposo considerava depressão frescura. Começou a ver nela uma pessoa fraca, e ao invés de ajudar, acabava cobrando que ela melhorasse para cuidar de sua filha nas melhores condições sem entender realmente o que estava acontecendo. Crenças limitantes sobre a saúde mental.

Como eles tinham boa condição financeira, sempre havia a secretária do lar e a babá para ajudarem nos cuidados, o que deixava Tristana bem mais confortável. Ela foi melhorando em relação à depressão. Conseguiu dar uma guinada boa e voltou a se sentir viva, mas ainda com sequelas do quadro clínico.

A filha, Akali, já estava próxima de completar um ano, quando Tristana resolveu voltar a trabalhar. Nesse momento foi muito constrangedor o que teve que enfrentar. Imaginou que Carlos fosse apoiá-la, e novamente ele a julgou e cobrou. Carlos não achava necessário que ela voltasse a trabalhar e pediu para que continuasse cuidando da filha em tempo integral, que ele arcaria com tudo sem problemas.

Tristana teve uma grande oscilação no quadro clínico nesse momento. Piorou da depressão que até então estava sob controle. Pensou bastante, e muito dentro do processo de psicoterapia. Entendeu que precisava se movimentar, até mesmo para superar o diagnóstico. Na terapia, falaram sobre as suas crenças, e foi como se Tristana tivesse tomado um choque de realidade.

Quando o psicólogo começou a direcioná-la a investigar os padrões de experiências entre casal que viu nos próprios pais e avós, percebeu que estava seguindo um caminho semelhante ao da mãe, em se anular e se envolver em conflitos frequentes. Começou a pensar que pudesse até já estar sendo traída, como acontecera com a mãe e a avó.

Nunca tinha ouvido falar sobre crenças e inconsciente. Na verdade, já tinha lido algo superficial sobre isso, mas não ao ponto de chegar ao entendimento real das implicações desses conceitos na sua vida. Nessa jornada de conhecimento, entendeu que as experiências que foram registradas nela desde a primeira infância criaram um padrão de repetição. Construíram suas crenças, a maneira como ela aprendeu a ver e se relacionar com o mundo através dos olhos dos pais.

Tristana ficou assustada. Não queria viver a mesma vida que a mãe. Topou voltar ao trabalho, e assim foi, não exatamente como ela imaginava, mas conseguiu retomar as atividades. A depressão atrapalhava o seu desempenho, mas por ser muito hábil tecnicamente, ainda gerava excelentes resultados para os seus clientes.

Pensava todos os dias sobre o que estava sendo trabalhado em relação às crenças. O assunto sempre tomava forma durante as sessões de psicoterapia. Entendia que tendo consciência da situação, era livre para escolher e moldar as crenças conforme quisesse. Claro que esse processo levaria ao enfrentamento de muito desconforto. Muito trabalho!

Carlos, se manteve resistente às decisões de Tristana. Foi se afastando emocionalmente dela, e indiretamente, também da filha. Tristana via aquilo acontecer, tentava se aproximar e expressar seus desejos buscando o apoio do marido, mas ele logo falava algo que a deixava para baixo se colocando no papel de vítima.

Depois de alguns meses sem terem relação, Tristana começou a ficar muito incomodada. Sabia que o seu marido era um cara viril, ativo, e fazia questão de ter relação. Começou a pensar que ele pudesse a estar traindo.

Quando uma mulher liga a antena da desconfiança, você sabe, é a melhor detetive que existe. Tristana, infelizmente descobriu uma verdade que mudaria a sua vida. Carlos, não só estava envolvido com outra mulher, como já havia engravidado a pessoa, sendo assim teria outro filho, uma outra família.

Tristana entrou em choque. Isso ia contra todas as suas crenças. Ela não era uma mulher que teria casado para se separar. Porém, lembrou do psicólogo e das sessões de terapia abordando as crenças. E também lembrou que no mundo em que viveu, que moldaram essas crenças, as mulheres acabavam sendo desvalorizadas pelos homens, incluindo principalmente a imagem da sua mãe para com o seu pai.

Percebia, que, de alguma forma, teria ficado suscetível a criar essa dolorosa realidade, mas mesmo com a dificuldade do quadro depressivo, se dispôs a enfrentar a situação para não entrar em um looping de sofrimento e desvalor.

Tristana deu entrada com o  processo de divórcio sem hesitar. Carlos tentou negociar alguma forma dela não fazer isso, para ainda ter contato mais livre com a filha Akali, mas Tristana foi irredutível. Foi o momento mais difícil da sua vida e também o divisor de águas.

Ao terminar esse processo ela realmente havia entendido a importância das crenças, e como ela tinha poder para pensar livremente e escolher o tipo de vida que quisesse levar.

Hoje, aos 36 anos, Tristana está casada novamente com um homem que a respeita e apoia. Akali já está crescida. Tem bom convívio com o pai, Carlos, e adora a imagem do padrasto no convívio diário.

Tristana abriu uma rede de clínicas odontológicas, onde impacta muitas pessoas, gera muitos empregos para profissionais da sua área e se realiza cada vez mais nesse processo.

Esse é um breve trecho da história de Tristana.

Abraço
Julio Furlaneto

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Julio Furlaneto

Psicólogo
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