APRENDA A CONHECER O OUTRO

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O tema pode, para alguns, sugerir a ideia de conhecer um outro na condição de estar solteiro e conhecer uma nova pessoa para se relacionar. Também, mas não só isso. Conhecer o outro, aqui, engloba ao mesmo tempo as pessoas que já estão em um relacionamento e buscam se envolver com mais profundidade, apostando na união duradoura e edificante.

Quando conhecemos alguém, pelo menos para um bom observador, é fácil notar que depositamos nossas expectativas na nova possibilidade. Em psicologia, costumo usar o conceito de projeção para explicar parte dessa experiência.

Para Perls (Gestalt-terapia), a projeção significa atribuir ao meio elementos fantasiados pelo próprio indivíduo. Há aqui um deslocamento da responsabilidade do indivíduo para o meio. Pensando em uma pessoa, é como projetar aquilo que você tem dentro de si e deseja que o outro represente para você, antes mesmo dele manifestar quem ele realmente é.

Perceba que essa é a primeira armadilha que pode te atrapalhar ao conhecer ou buscar se aprofundar em um relacionamento. Como todos nós temos o mecanismo da projeção em nossas mentes, é uma condição que precisa ser analisada, pois inevitavelmente irá acontecer.

A projeção não é um mecanismo ruim feito para te atrapalhar a vida, pelo contrário. Em seu funcionamento normal, ajuda a desenvolver a empatia com os outros indivíduos, por exemplo. Como você consegue deslocar para o outro, também é possível observar e sentir com mais profundidade essa outra pessoa através dessa interação subjetiva.

A projeção só se torna um problema quando o seu anseio, a sua expectativa excessiva, olhando apenas o próprio umbigo, em querer ter as suas necessidades realizadas através da outra pessoa, passa sem filtro e domina o contato. E aqui, se torna um problema justamente por, se estiver focado apenas no conteúdo próprio projetado, não terá espaço para ver e perceber o outro, ou seja, não perceberá quem realmente está à sua frente para se relacionar e criar um convívio mais rico em detalhes e vivências.

Como hoje não é novidade para ninguém que a ansiedade, e até os Transtornos Ansiosos, alugaram terrenos, casas, prédios e cidades inteiras dentro da mente de boa parte da população, esse risco de se projetar de forma disfuncional é enorme. A ansiedade não só predispõe ao problema como o potencializa.

Quanto mais barulho tiver nos próprios pensamentos, na busca de realização da carência, medos, anseios, preenchimentos de faltas de outros tipos, compensações de eventos traumáticos, etc., mais difícil se torna perceber o outro como um ser, e é só a partir desse contato humano que, realmente se faz possível se relacionar intimamente com uma pessoa humana.

Tem uma expressão que costumo utilizar nos meus atendimentos clínicos, que é: “tome 100 cafezinhos com a pessoa antes de mergulhar de cabeça na intimidade”. Lendo no primeiro contato, pode parecer algo exagerado e conservador demais. Óbvio, que tem um tom de brincadeira, mas é um convite para a realidade. A realidade de que, conhecer o outro é um processo. Processos demandam tempo e encontros frequentes.

A cada “cafezinho” tomado, um após o outro, ficará mais fácil para aquele que é atento e busca realmente estar consciente do que está acontecendo nos encontros, e como esses estão repercutindo dentro de si, filtrar suas próprias projeções, anseios, frustrações do passado, que podem atrapalhar ou gerar ansiedade, medos, expectativas com o futuro daquilo que se deseja em uma relação, etc. Toda informação filtrada, na continuidade dos próximos “cafezinhos”, poderá ser analisada com cuidado, e por fim, assim sendo, começará a ser assimilada de uma forma concreta. Quando digo concreta, me refiro a realidade do que os dois estão realmente vivenciando no encontro, e principalmente, como essa realidade tem impactado o próprio ser.

Hoje, não é incomum ver pessoas que moram na mesma casa, casadas há anos, mas quando param para fazer um processo de psicoterapia e descrevem a realidade vivenciada no lar, se dão conta que são dois estranhos no ninho. Talvez, até se conhecessem no início, mas foram se perdendo, se distanciando com o passar do tempo, e não tomaram consciência de que hoje estão tão distantes que mal conseguem se reconhecer.

Não é incomum para mim, também atender adultos solteiros, que já tiveram relações duradouras, alguns divorciados e com filhos, dispostos agora a conhecer alguém mas, sofrendo de extrema dificuldade para iniciar um novo contato, mesmo com tantas possibilidades (pelo menos no sentido quantitativo, e não qualitativo :)).

Como é possível, em um período que há basicamente total liberdade de se expressar (protegido por lei), ter dificuldade de fazer ‘o arroz com feijão’ bem feito no convívio conhecendo o outro? No mínimo, inquietante.

E é exatamente por causa da projeção. Não apenas dela em si, como foi descrito anteriormente, mas de seus conteúdos. A bagunça interna que você carrega pode gerar tanto barulho e desconforto que, na hora que encontra uma boa possibilidade, não consegue ter controle e lucidez para desenrolá-la e construir um resultado satisfatório.

Eu sei. Todo mundo tem uma história. E sim, quase todas as histórias têm seus pontos críticos, de crise, e alguns, bem difíceis de serem resolvidos. Essas crises, quando não são resolvidas ficam abertas, dentro de ti, na tua alma, ditando a sua vida. Você pode não pensar nelas diariamente, principalmente, aquelas que se passaram há muitos anos, vividas na infância com os pais, nas primeiras relações como jovem adulto ou até mesmo na primeira grande tentativa de união estável, não importa. O que está aberto foi empurrado para debaixo do tapete, mas o tapete está em sua casa, em sua mente, e essa sujeira surge quando você é colocado em xeque em um novo contato.

Mesmo sabendo disso, também sei que é necessário ter um processo contínuo em buscar fechar essa bagunça, as crises que ficaram abertas. É uma dança contínua no processo da vida, pois o tempo todo estão surgindo novos eventos, e alguns deles, vão desencadear novas crises, ou ao menos, potencializar as já existentes.

Então, além de se atentar às projeções percebidas no contato com o outro, é preciso dar um passo atrás. Olhar para si. Meditar, no sentido de reservar um tempo com qualidade para praticar uma reflexão com autodistanciamento. Com a capacidade de se olhar em terceira pessoa. Conversar consigo mesmo. Investigar, questionar e amadurecer os pontos de conflitos, os ruídos internos, fazendo o que for necessário na prática presente, no aqui e agora, com novos pensamentos e atitudes, mais ajustados, para que você se torne uma versão mais madura de si mesmo.

É essa versão, esse processo de construção, essa dança, que favorece à experiência e boa possibilidade de conhecer alguém, fazendo do encontro algo mais satisfatório, realmente prazeroso.

Atente-se a si mesmo.

Abraço!
Julio Furlaneto

01 - O que um psicólogo faz?

Julio Furlaneto

Psicólogo
CRP 14/05550-0